quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Um casebre, um rochedo

Por um castelo construído na areia tenho desistido da segurança da pequena casa fincada na rocha. Loucura. Dizer que minha fé acabou foi um engodo que eu criei para justificar algumas atitudes, facilitar ainda mais alguns caminhos. A verdade é que não importa qual seja o tamanho do domínio da razão sobre mim, eu ainda dependerei do absurdo para que eu possa descançar a alma. Ainda dependerei de Deus.

Paro para fazer uma análise da minha vida nesses últimos dias, e tenho visto que ela se resume a trabalho. Trabalhar todos os dias, para acumular dinheiro, para levar uma vida rasoável, para poder pagar a cerveja, para parecer bem aos amigos. Sente-se então que há progresso na vida, que o fruto do trabalho está sendo benéfico, que os desejos podem ser atendidos. Mas de que me adianta ganhar o mundo e perder a minha alma?

Hoje cedo eu conversava no escritório sobre o combate a violência no Rio de Janeiro, sobre como é feito e sobre como deveria ser feito, Eu dizia que não adianta comprar armas e formar soldados a origem do problema não for afetada, se não revolucionarem a saúde e a educação. Bastou que a noite chegasse para que eu pudesse aplicar em mim as palavras que eu disse mais cedo. Não me adianta satisfazer desejos se tudo o que eu tiver no fim forem risos falsos na escuridão. É preciso ir mais fundo, experimentar da alegria verdadeira, que não pode ser simulada. Estou também a falar de amor.

Do jeito que vou, é como poder andar pelas ruas, vestindo roupa barata comendo pastel de feira, e trocar essa liberdade por roupas de grife e canapés dentro dos muros de uma prisão. Tem algo muito errado nisso, nem gosto tanto de canapé. Aparentemente é um absurdo, a crença, a fé, a manifestação do sobrenatural. Aparentemente. Não se pode dizer o gosto que tem uma maçã se dela não provar. Para o bom proveito dos dias que virão, guiarei minha vida por esses absurdos. A gente vai conhecendo a verdade, e a verdade vai libertando a gente.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Manoel Tristão

Mané acreditava em ventos de mudança. Era um processo complexo. Acreditava que muitas moscas juntas eram o presságio de uma grande tempestade se aproximando e que a própria tempestade e os ventos poderiam anunciar mudanças. Acreditava piamente em cada palavra do que dizia.

Mesmo com nome português, Manoel Tristão anunciava aos quatro ventos que suas habilidades de prever tempestades e alterações do futuro tinham origem em seus antepassados. Dizia que um deles era xamã numa aldeia indígena na Serra da Mantiqueira. O único problema de Mané eram as dores no peito, maus presságios.

Ganhou estabilidade financeira num contrato para previsão do tempo e análise climática de uma prefeitura no meio do agreste. Tinha vida mansa, e ainda trabalhava a distancia, fazendo análise estatíastistica da quantidade de moscas e da velocidade do vento. A fama se espalhou ao ponto de que um dia, num encontro com o prefeito em campanha para a reeleição, sentiu uma forte dor no peito. Antes que pudesse anunciar o presságio, cancelaram o contrato.

Previu, com margem de erro de três anos para mais ou para menos a morte do homem mais velho de sua cidade, foi dito e feito, 10 anos depois o homem morreu. Acertou uma quina da mega-sena como o bilhete que roubou do irmão. Era realmente um sujeito de sorte. Um dia Manoel Tristão foi convidado a fazer previsões sobre um casamento, ainda na festa de noivado.

Nada de vento ou tempestade, apenas a conhecida dor no peito. Os noivos, tendo fé no homem sábio, desmancharam o casamento, ele fugiu com o companheiro de trabalho para Buenos Aires, ela assumiu o caso com o jardineiro. Ao menos uma vez a dor no peito de Mané era realmente um presságio de um futuro ruim. Cinco minutos depois lá estava ele, caido no chão, vítima de um infarto. Num dia quase feliz morreu Manoel Tristão, vítima da própria superstição.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O obrigatório e o desnecessário

Apesar desse título, não vou falar do processo político dessa república. Esse blog se encontra num hiato distante de tudo o que acontece no mundo. O universo desses textos contempla somente as sandices e sabotagens que podem ser pensadas por minha mente, verso somente sobre o Show de Truman no qual que sou protagonista e co-diretor.

Nos poucos minutos que estive na padaria, esperando por meu pão e por uma generosa porção de mortadela defumada para o complemento de minha alimentação natural, acompanhei uma cena do filme que passava na tv. Num daqueles “sucessos” de Hollywood, com a previsibilidade de uma novela da televisa, o herói, que estava prestes a morrer, se aproveitava da presença de testemunas para declarar todo o seu amor pela mocinha desconhecida por mim, que acompanhei a cena de relançe.

Havia um impasse entre o sujeito que queria que sua mensagem de amor fosse passada adiante pelas moças que estavam perto dele em seus momentos de dor quase cristã e as próprias moças que defendiam que a mulher amada já sabia de todo o amor do cara. Usavam o seginte argumento: As mulheres sempre sabem.

Pesso desculpa aos dois ou três leitores desse blogue se nutrem crença na tal da intuição feminina, mas intuição sem pistas é só vontade. Não, nem sempre as mulheres sabem, vou além, e digo que elas só sabem se o sujeito deixou claro que não estava sendo só gentil, e que sim, estava dando mole, ou dando em cima. Caso contrário, é só um mal entendido. Dou total apoio ao cara que morria no fim do filme e tentava enviar à moça a confirmação dos seus sentimentos e penso que as mulheres com aquela ladainha do “Ela já sabe” estavam apenas com inveja por não serem elas mesmas o alvo da paixão do sujeito.

Agora vou ao desnecessário, ao que de deve evitar e até mesmo policiar para que não se faça. Não, ainda não vou falar sobre a sinceridade desnecessária, deixo isso pra outra carta. Quero falar da babaquice que é marca registrada dos machos-alfa: agarrar a namorada ao menor sinal de perigo. E que fique claro que não é exclusividade dos rapazes, muitas mulheres também praticam o não olha que é meu, as vezes em níveis mais absurdos que os homens.

Uma vez, enquanto subia uma escada rolante, testemunhei um desses momentos. A mocinha olhou para trás, e no mesmo momento, as antenas de vinil do seu namorado detectaram a presença de outros machos no recinto, muitos outros. Intantaneamente o rapaz desceu um degrau para ficar na posição necessária para agarrar a moça e mostrar que era dele. Babaquice maior não há.

Se eu pudesse ser ouvido por cada namorado e namorada, noivo ou conjuge dessas terras, eu tentaria lhes fazer entender que o abraço não é ferro de marcar gado. E que dada a mobilidade e as possibilidades desse tempo e dos outros que passaram, definitivamente, niguém é de ninguém. Smiley piscando