quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Considerações a respeito do amor

E a partir de então, longe de qualquer esforço, as palavras que escreverei terminarão em amor. Eu, que já fui o poeta das coisas tristes, das avassaladoras paixões repentinas, dos finais, acabo flertando com esses desejos de eternidade.

Licença ao meu Vinicius Velho, grande inspirador, mas não quero que seja eterno enquanto dure, mas que dure por toda a eternidade, como se estivesse planejado antes de tudo, como se talves já tivesse acontecido, como se fosse o eco de um amor distante que daqui ecoará também para o futuro.

Perdão também ao que me lê. Sei que para os que ainda não dominam dessa aritimética antiga em que um mais um resulta em outro um completamente diferente, essas palavras, essas definições de sensações gostosas podem parecer novela.

O que vai ser amanhã, e depois, e nos outros dias que seguirão está tão distante quanto o passado. Sei tanto sobre a felicidade que virá como sei sobre as coisas que aconteceram dois anos atrás. Tenho uma vaga lembrança sobre o futuro, mas me guio por uma certeza inexplicável chamada amor.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A distração mais que necessária

Medo que tenho: Que seja breve. Mas em meio ao medo, em meio a brevidade, encontro a possibilidade. Mais do que isso, estou feliz. Estou feliz mais do que fui em qualquer um desses outros dias de depois. Estou feliz desde a última vez em que eu tive completa a família.

Os dias não são fáceis nem serão. Aliás, talvez até sejam mais fáceis um dia. E que o sorriso que eu traga agora naquele tempo eu tenha, nem maior ou menor. E a verdade é que o amor completa. A paixão recém chegada toma o espaço vazio na existência, O amor é a distração necessária para a compreensão de todo o resto. E tenho certeza que era do amor que falava Leminski quando dizia: Distraidos venceremos.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Os Pássaros de Kundera

"Para um amor se tornar inesquecível é preciso que, desde o primeiro momento, os acasos se reúnam nele como os pássaros nos ombros de São Francisco de Assis.” Trecho- A insustentável leveza do ser - Milan Kundera
Reuniram-se os pássaros no dia que a conheci. Não há nessa vida quem possa garantir eternidade, apesar do desejo de muitos amantes, apesar da esperança de muita gente, não há quem ou o que possa provar que tudo que se encerra acaba aqui, e tudo o que acaba aqui não pode, assim, acabar antes.

Mas enquanto, isso, permanecemos, felizes ao sabor do instante, do vento que ainda não mudou, da maré que permanece a mesma. Ela me perguntou se alguma vez eu havia duvidado. Se houvesse dúvida, não haveria nada. Pode ser que eu tenha duvidado da minha capacidade, de mudar de rumo, de carregar uma vida quase nova. Mas nunca, nunca duvidei do amor. Eu disse a ela que quando viesse a primeira dúvida seria a última, seria a única, seria o fim.

Nunca duvidei desse amor em específico que para mim é uma metáfora do que seja amor de verdade. Se alguém me pergunta o que é amor, de pronto responderei: Amor é quando eu amo aquela moça. Se é sobre sentimentos, então que seja apenas sobre o que posso sentir. E o acaso prossegue moldando destinos, enquanto nos perguntamos se estamos debaixo de uma ordem maior, mesmo sabendo que somos apenas poeira das estrelas.

Há em mim e ainda haverá, muito amor pra dar. E que seja maior que a saudade e maior que a tristeza. Que seja maior que qualquer certeza, que não é a própria certeza do amor. Que não seja só palavra besta, balbuciada na véspera do carinho. E que os Pássaros estejam sempre por aqui, para que eu prossiga guardando a alegria, mesmo na adversidade, feito arte que    vai mostrar o belo, onde o mundo inteiro só consegue ver feiura.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Um casebre, um rochedo

Por um castelo construído na areia tenho desistido da segurança da pequena casa fincada na rocha. Loucura. Dizer que minha fé acabou foi um engodo que eu criei para justificar algumas atitudes, facilitar ainda mais alguns caminhos. A verdade é que não importa qual seja o tamanho do domínio da razão sobre mim, eu ainda dependerei do absurdo para que eu possa descançar a alma. Ainda dependerei de Deus.

Paro para fazer uma análise da minha vida nesses últimos dias, e tenho visto que ela se resume a trabalho. Trabalhar todos os dias, para acumular dinheiro, para levar uma vida rasoável, para poder pagar a cerveja, para parecer bem aos amigos. Sente-se então que há progresso na vida, que o fruto do trabalho está sendo benéfico, que os desejos podem ser atendidos. Mas de que me adianta ganhar o mundo e perder a minha alma?

Hoje cedo eu conversava no escritório sobre o combate a violência no Rio de Janeiro, sobre como é feito e sobre como deveria ser feito, Eu dizia que não adianta comprar armas e formar soldados a origem do problema não for afetada, se não revolucionarem a saúde e a educação. Bastou que a noite chegasse para que eu pudesse aplicar em mim as palavras que eu disse mais cedo. Não me adianta satisfazer desejos se tudo o que eu tiver no fim forem risos falsos na escuridão. É preciso ir mais fundo, experimentar da alegria verdadeira, que não pode ser simulada. Estou também a falar de amor.

Do jeito que vou, é como poder andar pelas ruas, vestindo roupa barata comendo pastel de feira, e trocar essa liberdade por roupas de grife e canapés dentro dos muros de uma prisão. Tem algo muito errado nisso, nem gosto tanto de canapé. Aparentemente é um absurdo, a crença, a fé, a manifestação do sobrenatural. Aparentemente. Não se pode dizer o gosto que tem uma maçã se dela não provar. Para o bom proveito dos dias que virão, guiarei minha vida por esses absurdos. A gente vai conhecendo a verdade, e a verdade vai libertando a gente.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Manoel Tristão

Mané acreditava em ventos de mudança. Era um processo complexo. Acreditava que muitas moscas juntas eram o presságio de uma grande tempestade se aproximando e que a própria tempestade e os ventos poderiam anunciar mudanças. Acreditava piamente em cada palavra do que dizia.

Mesmo com nome português, Manoel Tristão anunciava aos quatro ventos que suas habilidades de prever tempestades e alterações do futuro tinham origem em seus antepassados. Dizia que um deles era xamã numa aldeia indígena na Serra da Mantiqueira. O único problema de Mané eram as dores no peito, maus presságios.

Ganhou estabilidade financeira num contrato para previsão do tempo e análise climática de uma prefeitura no meio do agreste. Tinha vida mansa, e ainda trabalhava a distancia, fazendo análise estatíastistica da quantidade de moscas e da velocidade do vento. A fama se espalhou ao ponto de que um dia, num encontro com o prefeito em campanha para a reeleição, sentiu uma forte dor no peito. Antes que pudesse anunciar o presságio, cancelaram o contrato.

Previu, com margem de erro de três anos para mais ou para menos a morte do homem mais velho de sua cidade, foi dito e feito, 10 anos depois o homem morreu. Acertou uma quina da mega-sena como o bilhete que roubou do irmão. Era realmente um sujeito de sorte. Um dia Manoel Tristão foi convidado a fazer previsões sobre um casamento, ainda na festa de noivado.

Nada de vento ou tempestade, apenas a conhecida dor no peito. Os noivos, tendo fé no homem sábio, desmancharam o casamento, ele fugiu com o companheiro de trabalho para Buenos Aires, ela assumiu o caso com o jardineiro. Ao menos uma vez a dor no peito de Mané era realmente um presságio de um futuro ruim. Cinco minutos depois lá estava ele, caido no chão, vítima de um infarto. Num dia quase feliz morreu Manoel Tristão, vítima da própria superstição.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O obrigatório e o desnecessário

Apesar desse título, não vou falar do processo político dessa república. Esse blog se encontra num hiato distante de tudo o que acontece no mundo. O universo desses textos contempla somente as sandices e sabotagens que podem ser pensadas por minha mente, verso somente sobre o Show de Truman no qual que sou protagonista e co-diretor.

Nos poucos minutos que estive na padaria, esperando por meu pão e por uma generosa porção de mortadela defumada para o complemento de minha alimentação natural, acompanhei uma cena do filme que passava na tv. Num daqueles “sucessos” de Hollywood, com a previsibilidade de uma novela da televisa, o herói, que estava prestes a morrer, se aproveitava da presença de testemunas para declarar todo o seu amor pela mocinha desconhecida por mim, que acompanhei a cena de relançe.

Havia um impasse entre o sujeito que queria que sua mensagem de amor fosse passada adiante pelas moças que estavam perto dele em seus momentos de dor quase cristã e as próprias moças que defendiam que a mulher amada já sabia de todo o amor do cara. Usavam o seginte argumento: As mulheres sempre sabem.

Pesso desculpa aos dois ou três leitores desse blogue se nutrem crença na tal da intuição feminina, mas intuição sem pistas é só vontade. Não, nem sempre as mulheres sabem, vou além, e digo que elas só sabem se o sujeito deixou claro que não estava sendo só gentil, e que sim, estava dando mole, ou dando em cima. Caso contrário, é só um mal entendido. Dou total apoio ao cara que morria no fim do filme e tentava enviar à moça a confirmação dos seus sentimentos e penso que as mulheres com aquela ladainha do “Ela já sabe” estavam apenas com inveja por não serem elas mesmas o alvo da paixão do sujeito.

Agora vou ao desnecessário, ao que de deve evitar e até mesmo policiar para que não se faça. Não, ainda não vou falar sobre a sinceridade desnecessária, deixo isso pra outra carta. Quero falar da babaquice que é marca registrada dos machos-alfa: agarrar a namorada ao menor sinal de perigo. E que fique claro que não é exclusividade dos rapazes, muitas mulheres também praticam o não olha que é meu, as vezes em níveis mais absurdos que os homens.

Uma vez, enquanto subia uma escada rolante, testemunhei um desses momentos. A mocinha olhou para trás, e no mesmo momento, as antenas de vinil do seu namorado detectaram a presença de outros machos no recinto, muitos outros. Intantaneamente o rapaz desceu um degrau para ficar na posição necessária para agarrar a moça e mostrar que era dele. Babaquice maior não há.

Se eu pudesse ser ouvido por cada namorado e namorada, noivo ou conjuge dessas terras, eu tentaria lhes fazer entender que o abraço não é ferro de marcar gado. E que dada a mobilidade e as possibilidades desse tempo e dos outros que passaram, definitivamente, niguém é de ninguém. Smiley piscando

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Gold

Eu não entendia qual era a mágica da coisa ainda, mas pensei que pela agitação de meu tio e um dos seus amigos, ambos uma década ou mais que isso mais velhos que eu, que talvez se tratasse de algo como o álbum do campeonato brasileiro, ou os cavaleiros do zodíaco em revista, com poster e tudo. Eu não tinha idade para saber do que se tratava, ou talvez eu até tivesse. Vendo então que não houve recusa, me levantei e fui bisbilhotar.

Foi o momento em que fui iniciado em um segredo antigo. Descobria então o leitmotiv da humanidade, motivo de guerras entre nações, assassinatos, conspirações. Eu estava diante de nada mais nada menos que uma coleção de vaginas. A revista mesclava pornografia pura e simples, com lances de ensaio fotográfico a la Playboy / Sexy. Meu tio seus amigos pareciam assistir uma partida de final da Champions League, é claro, com mais emoção. Eu permaneci ali, olhando o que eles ja tinham idade pra fazer pouco faziam, quase sem ser percebido, talvez devido ao fato de eu ser homem, ou melhor, exclusivamente devido a isso.

Eu não lembro mais, graças aos deuses, das formas presentes naquele bundalelê em formato de revista, nem dos rostos das mulheres que ali apareciam e que hoje devem ser aposentadas, donas de casa ou de sex shop.  O que sobra é a lembrança de um tempo em que pornografia pra adolescente era artigo raro, conseguido por meio de vias obscuras envolvendo contrabando e outras coisas mais. Eu só ia entender a "importância histórica" daquilo quando chegasse a esses tempos em que qualquer moleque num clicar de mouse tem acesso a toneladas de pornô gratuito nos mais variados estilos via interwebs. Os tempos são outros, os homens, quase os mesmos.

domingo, 19 de setembro de 2010

Mate

Esperei por mais de uma hora depois da hora marcada na porta do boliche até que todos chegassem, e a coisa ficou pior porque vinham juntos. Fui acumulando meu humor até o ponto de xingar um incauto que talvez com o atraso tivesse nada ou muito pouco. Mas esse é um parágarafo isolado.

A verdade é que eu gosto bastante dos meus amigos e acho que eles também gostam de mim, acho que um dia terei certeza disso, quem sabe depois que eu morrer se em forma de alma penada [eu sempre imagino um fantasma-galinha] eu puder ouvir o que eles falam sobre mim ainda na cerimônia do meu crematório.

Gosto deles e acho que uma das expressões máxima da cumplicidade e confiança [no sentido de "veja lá se eu estou te dando confiança"] está no tratamento. A ausência completa de cerimônia, a permissão para já chegar brincando somada a sorrisos instantâneos. Poder dizer e aí viado e não ouvir como resposta "tá maluco, mermão?"; Poder chamá-la de coisa feia e ter certeza de que ela e muitos outros sabem o quanto ela é bonita e que eu concordo.

Ainda fico na dúvida para saber se entre amigos somos mais homem ou mais bicho. Porque há um quê de cachorro em bando, fazendo baderna comendo o lixo da vizinhança, mas pode também haver a conversa sobre movimentos sociais, cinemas europeus, solução para os problemas da nação [se, e somente se o papo for regado a cerveja, vinho outros drinks ou narcóticos.]. Por enquanto, fico como o modelo animal, nos comparando a gatos que em momento de carência afetiva provocam ao outro da mesma espécie, sem que isso atrapalhe a independência que tem na vida.

Eu sei que rola muitas vezes uma falsidade necessária, afinal, como disse Bertrand Russell: "Se nos fosse dado o poder mágico de ler na mente uns dos outros, o primeiro efeito seria sem dúvida o fim de todas as amizades." Mas na maior parte do tempo, tudo é esquecido e eu sou até capaz de amar um flamenguista, ou uma ouvinte de axé-music.

sábado, 18 de setembro de 2010

Suckling

Cristianismo à parte, é importante para o bom convívio em sociedade tolerar o intolerável. É isso ou embarcaríamos numa era sangrenta de lutas até a extinção da raça humana e existência de um único ser, o grande vitorioso, que na verdade seria o grande perdedor.

Em nome da coletividade eu aguento o moleque chapa quente ouvindo funk no auto falante do seu MP20, a mocinha descolada fazendo crítica da nova banda de indie músic surgida no Turcomenistão e playboy que chama todas as mulheres do mundo de piranha, sem cerimônia, talvez por estilo. Eu mesmo, tenho certeza, sou tolerado por dezenas de pessoas que se pudessem me mandariam para a quinta.

Mas se tem gente que mesmo com todo o esforço eu não consigo tolerar, gente que não engulo, a níveis de suco de tomate é gente que joga lixo no chão. Hoje um sujeito sentado no banco de carona de uma camionete, lançou de onde estava um copo descartável na rua que eu trabalho, o detalhe é que o carro acabara de sair de um posto de gasolina, lugar com 10.000 lixeiras espalhadas por todos os cantos. Me segurei para não mandá-lo pra lá.

Veja bem, não quero aqui exigir nenhuma consciencia ecológica do tipo coleta seletiva ou qualquer dessas coisas que só serve pra filho entediado de rico brincar de ambientalista na baixada fluminense. Desejava apenas, que esses senhores e essas senhoras que depositam detritos nos logradouros públicos colocassem a porcaria do seu lixo na lixeira!

Eu queria, de verdade, que houvesse uma fossa gigantesca, de preferência bem cheia do nosso lixo orgânico, para que nela fosse jogada de uma só vez os sujadores de rua. Ou então, que esses trastes fossem obrigados a comer o lixo que jogam fora, à força mesmo, até entopir, feito os patos inocentes pra fazer foie gras. Mas, o jeito é aguentar a existência desses oferendas recusadas e sonhar apenas com um universo paralelo onde a pessoa desintegra na hora ao jogar o lixo no chão.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Toasted


Talvez você seja do tipo que odeia cigarros, e talvez por isso você também odeie fumantes e todo o mundo [mágico] ligado a eles. Não, eu não vou te odiar por conta disso, afinal, nem fumar eu posso mais. Foi um complô das minhas coronárias com meu cardiologista e o fabricante de remédios para hipertensão, quase certeza, mas isso é assunto para outra epístola.

A primeira vez que eu fumei cigarro a arma utilizada foi um hollywood caribbean, rótulo verde, sabor mentolado, uma porcaria. Eram uns dias de experimentação e porraloquice, experimentei depois disso tantas marcas de cigarros quantas apareciam  no bolso dos amigos. Cigarro de galera não é aristocrata, é soviético, o que é de um é de todos, não passando o limite físico dos vinte.

Eu ainda não tinha chegado ao ponto de comprar meu próprio maço de cigarros, eu cria que não era um fumante. Tolinho. Até que chegou uma hora que a vontade foi maior que a comodidade, e eu fui até o caixa da padaria, também conhecido como delicatessen de fumante. O escolhido foi o free, mas esse lance não durou muito tempo.

Ela era a menor da turma, não era sensual nem essas coisas, mas tinha atitude, chamava atenção na medida certa. Quando chegou mais perto, sacou da bolsa também pequena um cigarro que eu só via em filme, ou em temporadas mais antigas da Formula 1: Lucky Strike. Eu me apaixonei, não pela menina, mas pelo cigarro.

O design da embalagem é algo feito na medida certa. Na minha análise do ponto de vista do cliente, aquele design quer mostrar que o mais importante está dentro da embalagem. É quase como uma lata de cerveja em formato de caixa de cigarros. O autor daquela obra prima é Raymond Loewy, o mesmo designer que criou os logos da Exxon, Shell e que redesenhou a garrafa e criou o logo da Coca-cola. Não, eu não sou nenhum designer gráfico tarado por produtos da maçã, mas se é pra foder com o sistema respiratório, que seja com estilo.

Sculpture


Não é uma constatação de hoje, nem algo que cause surpresa, mas a verdade é que eu sou um sujeito carrancudo. Andei procurando nas poucas fotos onde eu apareço, alguma onde eu estou sorrindo, e se três eu achei é número alto.

As vezes, em meio a uma piada, encontro com gente que eu gosto ou lendo um livro no õnibus eu lembro que consigo sorrir, não é que eu ganhe motivos, é que eu perco impedimentos. Eu sempre tive medo de me tornar um velho doente. Caminho para me tornar um velho carrancudo, o que pode ser até pior.

É que se a gente leva a vida a sério de mais, a gente finge menos dor pra sentir dor de verdade. Ganhei olheiras que não vão mais embora, estou disfarçando a calvice indo ao barbeiro e pedindo para me deixar careca. O tempo anda escavando marcas no meu rosto. No final sobra só a imagem de um homem infeliz.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Worlds


Vira e mexe encontro pela rua, no horário de saída das escolas, casais de namorados adolescentes. A felicidade deles está estampada em seu rosto, nas mãos entrelaçadas, nos abraços apertados, na pausa no banco de praça para namorar escondido. É o tipo de alegria que invariavelmente experimentaremos ao menos uma vez na vida.

Não quero me ater a idades, mas a tamanhos. Ao tamanho do mundo para nos. É como a dilatação anômala da água. Quando somos crianças o mundo é enorme, o pomar no quintal da avó é uma imensa floresta a ser desbravada, somos pequenos. Na adolescência o mundo chega ao seu menor tamanho, somos quase como o pequeno príncipe habitando o seu meteorito. Moleques, somos os donos de toda razão e editores de decretos que só valem em nosso mundo, em nosso pequeno mundo e todo aquele que se aproxima passa a estar sobre as regras de nosso regime.

Mas chega uma hora que é inevitável que apareçam as primeiras rugas, cabelos brancos, juros do cartão de crédito, meta de trabalho e trabalho de faculdade. Nos tornamos adultos e o universo se expande novamente; só que dessa vez, o sentimento que temos é de agonia. Nos descobrimos pequenos em um universo tão vasto, nos deparamos com nossa finitude, somos mortos em potencial.

De tão pequenos, nos permitimos amar para ser maior com o outro. O amor tem dessas coisas, além daquela capacidade [nem sempre] apreciável de fazer errar a mais confiável das previsões. Talvez por isso os pais daqueles casais que vejo,as vezes até matando aula, fingem não saber o que se faça, para não impedir a felicidade enquanto ela pode existir. Sempre é bom olhar para nosso passado, ele nos inspira a pintar o futuro.

[update] Troquei a imagem do post. Eu gosto bastante do trabalho do Kurt Halsey, mas aquela ilustração estava afrescalhada demais para os propósitos desse blogue. Coloquei essa, que está em creative commons e ilustra bem a potência do amor de adolescência, capaz de fazer a gente escrever em lugares da cidade que amará eternamente quem depois a gente pode até encontrar na rua e pensar: caramba, eu peguei isso, ou, caramba, como eu consegui sair com ela/ele.

[Fotografia de Jonas Ahrentorp]

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Runner

Nos meus sonhos mais tranquilos tudo passa devagar. Os carros se movem como se os segundos se arrastassem, as pessoas param em restaurantes, cafés e gramados, falam sobre si, sobre os outros, sobre o mundo, sem pressa.

Mas quando retorno ao mundo onde vivo, tudo acontece apressadamente, horas são cada vez menores, mesmo que contenham sempre os mesmos sessenta minutos. Estou certo que não sou o atleta correndo em direção a um prêmio, sou um fugitivo.

Me falta ainda um pouco de luz para que eu saiba o rumo que estou tomando, o que sei é que desvio de olhares e de gestos, talvez porque eu já nem os reconheça mais entre figuras inanimadas ou entre árvores e pedras.

E como as leis da Física não se aplicam ao pensamento, é preciso mais que uma força ordinária para que me mude a trajetória. Preciso de um cataclisma, de um evento catastrófico, uma explosão de coisas novas. A escada que leva aos andares superiores está coberta com os mesmos ladrilhos dos degraus da porta da rua.