terça-feira, 21 de setembro de 2010

Gold

Eu não entendia qual era a mágica da coisa ainda, mas pensei que pela agitação de meu tio e um dos seus amigos, ambos uma década ou mais que isso mais velhos que eu, que talvez se tratasse de algo como o álbum do campeonato brasileiro, ou os cavaleiros do zodíaco em revista, com poster e tudo. Eu não tinha idade para saber do que se tratava, ou talvez eu até tivesse. Vendo então que não houve recusa, me levantei e fui bisbilhotar.

Foi o momento em que fui iniciado em um segredo antigo. Descobria então o leitmotiv da humanidade, motivo de guerras entre nações, assassinatos, conspirações. Eu estava diante de nada mais nada menos que uma coleção de vaginas. A revista mesclava pornografia pura e simples, com lances de ensaio fotográfico a la Playboy / Sexy. Meu tio seus amigos pareciam assistir uma partida de final da Champions League, é claro, com mais emoção. Eu permaneci ali, olhando o que eles ja tinham idade pra fazer pouco faziam, quase sem ser percebido, talvez devido ao fato de eu ser homem, ou melhor, exclusivamente devido a isso.

Eu não lembro mais, graças aos deuses, das formas presentes naquele bundalelê em formato de revista, nem dos rostos das mulheres que ali apareciam e que hoje devem ser aposentadas, donas de casa ou de sex shop.  O que sobra é a lembrança de um tempo em que pornografia pra adolescente era artigo raro, conseguido por meio de vias obscuras envolvendo contrabando e outras coisas mais. Eu só ia entender a "importância histórica" daquilo quando chegasse a esses tempos em que qualquer moleque num clicar de mouse tem acesso a toneladas de pornô gratuito nos mais variados estilos via interwebs. Os tempos são outros, os homens, quase os mesmos.

domingo, 19 de setembro de 2010

Mate

Esperei por mais de uma hora depois da hora marcada na porta do boliche até que todos chegassem, e a coisa ficou pior porque vinham juntos. Fui acumulando meu humor até o ponto de xingar um incauto que talvez com o atraso tivesse nada ou muito pouco. Mas esse é um parágarafo isolado.

A verdade é que eu gosto bastante dos meus amigos e acho que eles também gostam de mim, acho que um dia terei certeza disso, quem sabe depois que eu morrer se em forma de alma penada [eu sempre imagino um fantasma-galinha] eu puder ouvir o que eles falam sobre mim ainda na cerimônia do meu crematório.

Gosto deles e acho que uma das expressões máxima da cumplicidade e confiança [no sentido de "veja lá se eu estou te dando confiança"] está no tratamento. A ausência completa de cerimônia, a permissão para já chegar brincando somada a sorrisos instantâneos. Poder dizer e aí viado e não ouvir como resposta "tá maluco, mermão?"; Poder chamá-la de coisa feia e ter certeza de que ela e muitos outros sabem o quanto ela é bonita e que eu concordo.

Ainda fico na dúvida para saber se entre amigos somos mais homem ou mais bicho. Porque há um quê de cachorro em bando, fazendo baderna comendo o lixo da vizinhança, mas pode também haver a conversa sobre movimentos sociais, cinemas europeus, solução para os problemas da nação [se, e somente se o papo for regado a cerveja, vinho outros drinks ou narcóticos.]. Por enquanto, fico como o modelo animal, nos comparando a gatos que em momento de carência afetiva provocam ao outro da mesma espécie, sem que isso atrapalhe a independência que tem na vida.

Eu sei que rola muitas vezes uma falsidade necessária, afinal, como disse Bertrand Russell: "Se nos fosse dado o poder mágico de ler na mente uns dos outros, o primeiro efeito seria sem dúvida o fim de todas as amizades." Mas na maior parte do tempo, tudo é esquecido e eu sou até capaz de amar um flamenguista, ou uma ouvinte de axé-music.

sábado, 18 de setembro de 2010

Suckling

Cristianismo à parte, é importante para o bom convívio em sociedade tolerar o intolerável. É isso ou embarcaríamos numa era sangrenta de lutas até a extinção da raça humana e existência de um único ser, o grande vitorioso, que na verdade seria o grande perdedor.

Em nome da coletividade eu aguento o moleque chapa quente ouvindo funk no auto falante do seu MP20, a mocinha descolada fazendo crítica da nova banda de indie músic surgida no Turcomenistão e playboy que chama todas as mulheres do mundo de piranha, sem cerimônia, talvez por estilo. Eu mesmo, tenho certeza, sou tolerado por dezenas de pessoas que se pudessem me mandariam para a quinta.

Mas se tem gente que mesmo com todo o esforço eu não consigo tolerar, gente que não engulo, a níveis de suco de tomate é gente que joga lixo no chão. Hoje um sujeito sentado no banco de carona de uma camionete, lançou de onde estava um copo descartável na rua que eu trabalho, o detalhe é que o carro acabara de sair de um posto de gasolina, lugar com 10.000 lixeiras espalhadas por todos os cantos. Me segurei para não mandá-lo pra lá.

Veja bem, não quero aqui exigir nenhuma consciencia ecológica do tipo coleta seletiva ou qualquer dessas coisas que só serve pra filho entediado de rico brincar de ambientalista na baixada fluminense. Desejava apenas, que esses senhores e essas senhoras que depositam detritos nos logradouros públicos colocassem a porcaria do seu lixo na lixeira!

Eu queria, de verdade, que houvesse uma fossa gigantesca, de preferência bem cheia do nosso lixo orgânico, para que nela fosse jogada de uma só vez os sujadores de rua. Ou então, que esses trastes fossem obrigados a comer o lixo que jogam fora, à força mesmo, até entopir, feito os patos inocentes pra fazer foie gras. Mas, o jeito é aguentar a existência desses oferendas recusadas e sonhar apenas com um universo paralelo onde a pessoa desintegra na hora ao jogar o lixo no chão.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Toasted


Talvez você seja do tipo que odeia cigarros, e talvez por isso você também odeie fumantes e todo o mundo [mágico] ligado a eles. Não, eu não vou te odiar por conta disso, afinal, nem fumar eu posso mais. Foi um complô das minhas coronárias com meu cardiologista e o fabricante de remédios para hipertensão, quase certeza, mas isso é assunto para outra epístola.

A primeira vez que eu fumei cigarro a arma utilizada foi um hollywood caribbean, rótulo verde, sabor mentolado, uma porcaria. Eram uns dias de experimentação e porraloquice, experimentei depois disso tantas marcas de cigarros quantas apareciam  no bolso dos amigos. Cigarro de galera não é aristocrata, é soviético, o que é de um é de todos, não passando o limite físico dos vinte.

Eu ainda não tinha chegado ao ponto de comprar meu próprio maço de cigarros, eu cria que não era um fumante. Tolinho. Até que chegou uma hora que a vontade foi maior que a comodidade, e eu fui até o caixa da padaria, também conhecido como delicatessen de fumante. O escolhido foi o free, mas esse lance não durou muito tempo.

Ela era a menor da turma, não era sensual nem essas coisas, mas tinha atitude, chamava atenção na medida certa. Quando chegou mais perto, sacou da bolsa também pequena um cigarro que eu só via em filme, ou em temporadas mais antigas da Formula 1: Lucky Strike. Eu me apaixonei, não pela menina, mas pelo cigarro.

O design da embalagem é algo feito na medida certa. Na minha análise do ponto de vista do cliente, aquele design quer mostrar que o mais importante está dentro da embalagem. É quase como uma lata de cerveja em formato de caixa de cigarros. O autor daquela obra prima é Raymond Loewy, o mesmo designer que criou os logos da Exxon, Shell e que redesenhou a garrafa e criou o logo da Coca-cola. Não, eu não sou nenhum designer gráfico tarado por produtos da maçã, mas se é pra foder com o sistema respiratório, que seja com estilo.

Sculpture


Não é uma constatação de hoje, nem algo que cause surpresa, mas a verdade é que eu sou um sujeito carrancudo. Andei procurando nas poucas fotos onde eu apareço, alguma onde eu estou sorrindo, e se três eu achei é número alto.

As vezes, em meio a uma piada, encontro com gente que eu gosto ou lendo um livro no õnibus eu lembro que consigo sorrir, não é que eu ganhe motivos, é que eu perco impedimentos. Eu sempre tive medo de me tornar um velho doente. Caminho para me tornar um velho carrancudo, o que pode ser até pior.

É que se a gente leva a vida a sério de mais, a gente finge menos dor pra sentir dor de verdade. Ganhei olheiras que não vão mais embora, estou disfarçando a calvice indo ao barbeiro e pedindo para me deixar careca. O tempo anda escavando marcas no meu rosto. No final sobra só a imagem de um homem infeliz.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Worlds


Vira e mexe encontro pela rua, no horário de saída das escolas, casais de namorados adolescentes. A felicidade deles está estampada em seu rosto, nas mãos entrelaçadas, nos abraços apertados, na pausa no banco de praça para namorar escondido. É o tipo de alegria que invariavelmente experimentaremos ao menos uma vez na vida.

Não quero me ater a idades, mas a tamanhos. Ao tamanho do mundo para nos. É como a dilatação anômala da água. Quando somos crianças o mundo é enorme, o pomar no quintal da avó é uma imensa floresta a ser desbravada, somos pequenos. Na adolescência o mundo chega ao seu menor tamanho, somos quase como o pequeno príncipe habitando o seu meteorito. Moleques, somos os donos de toda razão e editores de decretos que só valem em nosso mundo, em nosso pequeno mundo e todo aquele que se aproxima passa a estar sobre as regras de nosso regime.

Mas chega uma hora que é inevitável que apareçam as primeiras rugas, cabelos brancos, juros do cartão de crédito, meta de trabalho e trabalho de faculdade. Nos tornamos adultos e o universo se expande novamente; só que dessa vez, o sentimento que temos é de agonia. Nos descobrimos pequenos em um universo tão vasto, nos deparamos com nossa finitude, somos mortos em potencial.

De tão pequenos, nos permitimos amar para ser maior com o outro. O amor tem dessas coisas, além daquela capacidade [nem sempre] apreciável de fazer errar a mais confiável das previsões. Talvez por isso os pais daqueles casais que vejo,as vezes até matando aula, fingem não saber o que se faça, para não impedir a felicidade enquanto ela pode existir. Sempre é bom olhar para nosso passado, ele nos inspira a pintar o futuro.

[update] Troquei a imagem do post. Eu gosto bastante do trabalho do Kurt Halsey, mas aquela ilustração estava afrescalhada demais para os propósitos desse blogue. Coloquei essa, que está em creative commons e ilustra bem a potência do amor de adolescência, capaz de fazer a gente escrever em lugares da cidade que amará eternamente quem depois a gente pode até encontrar na rua e pensar: caramba, eu peguei isso, ou, caramba, como eu consegui sair com ela/ele.

[Fotografia de Jonas Ahrentorp]

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Runner

Nos meus sonhos mais tranquilos tudo passa devagar. Os carros se movem como se os segundos se arrastassem, as pessoas param em restaurantes, cafés e gramados, falam sobre si, sobre os outros, sobre o mundo, sem pressa.

Mas quando retorno ao mundo onde vivo, tudo acontece apressadamente, horas são cada vez menores, mesmo que contenham sempre os mesmos sessenta minutos. Estou certo que não sou o atleta correndo em direção a um prêmio, sou um fugitivo.

Me falta ainda um pouco de luz para que eu saiba o rumo que estou tomando, o que sei é que desvio de olhares e de gestos, talvez porque eu já nem os reconheça mais entre figuras inanimadas ou entre árvores e pedras.

E como as leis da Física não se aplicam ao pensamento, é preciso mais que uma força ordinária para que me mude a trajetória. Preciso de um cataclisma, de um evento catastrófico, uma explosão de coisas novas. A escada que leva aos andares superiores está coberta com os mesmos ladrilhos dos degraus da porta da rua.